No começo deste mês, em uma reunião virtual preparatória para a Cúpula de Líderes sobre o Clima nos Estados Unidos, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, inseriu em sua apresentação a imagem de um cachorro olhando um forno de assar frangos, simbolizando o Brasil almejando uma ajuda norte-americana na preservação da Amazônia. Os americanos, por não estarem acostumados à cultura do nosso frango de padaria, não entenderam de imediato a ligação entre a figura e a mensagem.
Se pudéssemos transpor a mesma imagem para o setor de energia elétrica, ficaria fácil interpretar.
O cachorrinho, ansioso e faminto, seria o consumidor de baixa tensão – BT (residencial, rural, comercial, industrial, serviço público) ao passo que a poderosa máquina e os frangos representariam, respectivamente, o mercado livre e as vantagens que esse oferece aos consumidores que têm acesso a esse ambiente de contratação.
Nos últimos 20 anos, milhares de consumidores atendidos em alta e média tensão foram, pouco a pouco, ingressando no mercado livre e aproveitando oportunidades de mercado.
A associação dos comercializadores de energia – Abraceel estima que o custo evitado com o insumo energia acumulado pelas empresas que aderiram ao mercado livre ultrapassa a cifra de R$200 bi. É de dar inveja mesmo.
O ambiente de contratação livre ainda não está disponível para os consumidores de baixa tensão, embora haja sinalização de que isso deva acontecer nos próximos anos, seja por regulação do Ministério de Minas e Energia, seja por alteração da legislação, se prosperarem proposições legislativas que há anos tramitam no Congresso Nacional.
Enquanto isso não acontece, duas alternativas para redução da conta de energia dos consumidores cativos de baixa tensão surgiram no horizonte nos últimos anos, dentro do ambiente de contratação regulada.
Uma delas parece já ter decolado e caiu no gosto do consumidor cativo: a adesão ao sistema de geração distribuída, seja por instalação de telhados solares em suas unidades consumidoras ou por contratação de quinhão de usinas solares remotas.
A outra, essa sim objeto da nossa análise nesse texto, é a adesão dos consumidores cativos de baixa tensão ao sistema horossazonal de Tarifa Branca.
Até o final de 2017, nenhum consumidor de baixa tensão tinha alternativa de tarifa e era compulsoriamente faturado por meio da tarifa denominada convencional.
Nessa modalidade, cuja forma de faturamento é muito simples, o valor faturado é igual ao consumo da energia (kWh) multiplicado por uma tarifa constante em todos os horários (R$/kWh), havendo ainda um valor mínimo (custo de disponibilidade), caso o consumo seja menor que determinado volume, que varia apenas em função de a ligação ser monofásica, bifásica ou trifásica.
Como alternativa a esse quadro, foi criada a tarifa branca, que passou por um período de transição até chegar aos moldes atuais. Isto porque a Resolução Normativa nº 733, de 06 de setembro de 2016, estabeleceu que a adesão a tarifa branca seria não compulsória, e estaria disponível aos consumidores BT de forma gradual, conforme o cronograma apresentado a seguir:
Portanto, pelas regras atuais, desde janeiro de 2020 todos os consumidores BT que desejarem poderão aderir a modalidade tarifária horária branca (exceto para os casos de Iluminação Pública).
Diferentemente do critério de faturamento da tarifa convencional, bem simples, a modalidade tarifária horária branca é mais complexa e se caracteriza por valores diferentes da tarifa em função da hora e do dia da semana.
Nos dias úteis, o valor da Tarifa Branca varia em três postos horários: ponta, intermediário e fora ponta.
Nos finais de semana e feriados nacionais todas as horas são consideradas posto fora ponta.
Os postos tarifários são definidos por área de concessão, variando de distribuidora para distribuidora.
Na tarifa branca, apenas a tarifa fora ponta é menor do que a tarifa convencional.
As tarifas dos horários intermediário e ponta são maiores do que a convencional, daí a importância de se fazer um estudo cuidadoso de seu padrão de consumo para que a opção pela tarifa branca seja vantajosa.
A Aneel, no final do ano passado, publicou um estudo em que faz análise dos primeiros anos de implantação da tarifa branca (Relatório da Análise de Resultado Regulatório – 001/2020), concluindo que “as unidades consumidoras que optaram pela tarifa branca perceberam uma redução média de 4% na tarifa de energia elétrica se comparada ao faturamento na modalidade convencional” e “as distribuidoras tiveram uma diminuição de 0,02% na receita da Parcela B, recuperada via tarifa, devido à adesão dos consumidores à tarifa branca.
Esse efeito ainda é muito pequeno, em parte porque o estudo levou em consideração dados até agosto de 2020.
Por outro lado, o estudo relata ainda casos de redução média superior a 20% em 9 unidades consumidoras da distribuidora CERTREL que aderiram à modalidade tarifa branca.
Podemos identificar três objetivos associados à Tarifa Branca. Esses objetivos são os seguintes:
O primeiro objetivo (O1) visa a oferecer uma maior capacidade de escolha para o consumidor e, a partir daí, tentar capturar efeitos positivos sobre o uso do sistema decorrentes de uma mudança no comportamento do consumidor.
O segundo objetivo (O2) procura sintetizar os efeitos da sinalização econômica que é emitida para o consumidor no sentido de deslocar o seu consumo dos horários de ponta e assim, promover o uso eficiente da rede da demanda máxima do sistema e a consequente postergação de investimentos pela distribuidora.
Já o terceiro objetivo (O3) é uma decorrência do segundo, na medida em que o deslocamento do consumo “tenderia” a implicar redução do custo médio para o consumidor.
Podemos concluir a partir da leitura do documento da Aneel que os objetivos mais importantes, o uso eficiente da rede e a redução do custo para o consumidor ainda não se verificaram em larga escala, uma vez que o número de clientes que aderiram à modalidade ainda é muito pequeno quando comparado ao universo que agora pode aderir a ela.
Resumidamente, podemos sintetizar alguns pontos principais que envolvem a questão:
Contudo, há a expectativa de que, a longo prazo, haja redução do custo médio das tarifas, decorrente da diminuição potencial de consumo nos horários de ponta e intermediário, motivo pelo qual se espera menor necessidade de investimentos futuros.
Nossa conclusão é de que a tarifa branca foi um importante passo para disponibilizar uma nova alternativa aos consumidores BT e que deve continuar sendo objeto de estudo pela Agência, no sentido de sempre buscar o equilíbrio na relação entre consumidor e distribuidora, pelos consumidores, no intuito de buscar redução de custos e, finalmente, pelas distribuidoras, buscando sustentabilidade financeira de seu negócio e a proteção dos consumidores remanescentes (que não aderirem à modalidade).
Retornando à nossa ilustração inicial, aquele cachorrinho tem uma missão importante antes de poder saborear com prazer seu frango de padaria.
Ele precisa avaliar muito bem se sua digestão será mesmo satisfatória.